O
filme O Show de Truman é um prato
cheio para ser analisado, não só filosoficamente, como na área da comunicação
social, da sociologia e em várias outras vertentes. Contudo, o intuito aqui é
esmiuçar essa grande obra – do diretor Peter Weir – especificamente no que
tange ao tema da liberdade.
E a liberdade criticada pelo filme
não está somente no fato de o personagem principal estar enclausurado em um reality show. Também há uma crítica com
relação à liberdade amorosa, à liberdade de ir e vir, dentre outras; inclusive
há também uma crítica à religião como um todo, como se fosse algo que
restringisse a liberdade do ser humano. Isso tudo será visto adiante.
Como início, fundamental uma
interpretação do enredo. Com muita inteligência, o diretor do filme coloca Seahaven
– uma “ilha” na qual Truman vive – o cenário do maior reality show que o mundo já viu. Nota-se que o nome da ilha
significa “Refúgio do mar”, “Abrigo do mar’, “Paraíso do mar”. Nesse “paraíso”,
uma só pessoa é a estrela, o personagem principal (e o único que não sabe que é
personagem, pois vive sua vida de forma real). O resto todo são atores,
participantes do programa. Lá, tudo é mentira. Os amigos de Truman, a esposa, o
emprego, a cidade.
“Não há nada de falso no próprio
Truman”. Essa frase é de Christof, o criador do programa, o criador de tudo. Obviamente,
não pode haver nada de falso em Truman. Por quê? Porque ele, como já dito, é o
único que vive uma vida real, em que não é personagem. Além disso, seu nome:
Truman: em inglês = True + man, que, ao traduzir para o português: verdade +
homem, ou seja, Trumam = o homem verdade, o homem verdadeiro, o verdadeiro
homem.
E em que consiste o verdadeiro
homem? Num homem livre, ou seja, sincero para consigo mesmo, sem máscaras, sem
outras personalidades, sem encenar seu próprio eu, um não-ator, um homem
verdadeiro. E esse é Truman.
“É tudo verdade, é tudo real. Nada
do que virem é falso, é apenas controlado”, diz Marlon, seu melhor amigo. Mas,
será que o homem que não é livre e que não vive pela verdadeé real, tem uma
vida real?
Mesmo tendo um ótimo emprego, um
grande amigo e uma bela esposa, Truman não está satisfeito. Sem saber, tudo
gira em torno de si, para que tenha uma ótima vida. E quem não gostaria de ser
o Truman, que todos veem na televisão? A grande maioria das pessoas, de acordo
com o senso comum, pensa que a vida da estrela é sensacional, maravilhosa. Mas
ele quer mais do que aquilo. Quer viver a sua vida, não uma vida imposta.
E um dos aspectos em que ele está
insatisfeito diz respeito ao sentimento, ao amor. Truman não ama sua esposa.
Ama Lauren (ou melhor, Sylvia). Foi amor à primeira vista. Porém, nunca deixaram
que eles tivessem uma relação, pois ele já estava destinado à se casar com
Meryl. Mas ele quer viver um amor verdadeiro. Trata-se de uma necessidade de
externalizar seus sentimentos verdadeiros, agir com liberdade quanto aos seus
anseios afetivos.
Todavia, ao se relacionar com
Sylvia, ela é retirada do programa e seu suposto pai diz que eles vão se mudar
para Fiji. Desde então, Truman faz planos de também ir para lá. Dessa forma,
ele sairia de seu mundinho, conheceria novos lugares e ainda reencontraria o
amor de sua vida. Nota-se aqui o problema da liberdade de ir e vir, que sempre
foi algo buscado e não conquistado por Truman.
E, efetivamente, um grande fator que
o prende é a própria cidade de Seahaven.
Desde criança, Truman quis ser explorador. Tinha planos de viajar, aventurar-se
mundo afora. Mas sempre foi tolhido pelos pais, pelos professores, por seus
dominadores presentes em toda a ilha. Inclusive, uma das formas de fazer com
que ele ficasse ainda mais preso, foi a morte (mentirosa) do pai planejada por
Christof, para que Truman ficasse com medo do mar e, assim, fixasse cada vez
mais suas raízes no mundo ilusório. E, com a questão de Sylvia, o povo de Seahaven passou a ter ainda mais cuidado
para que o grande astro não se empenhasse em “fugir”.
Interessante notar que o início de
toda a desconfiança por parte de Truman se dá no início do filme, com a queda
de uma luminária, que seria parte do cenário do programa, correspondente à
estrela Sirius. Vejam, uma “luz” traz iluminação para Truman, e, assim, traz
também o início do “conhecimento”, da verdade.
Depois disso, o problema da
frequência do rádio, enquanto Truman dirigia, definitivamente o acorda do
sonho. Ele começa a reparar na cidade. Nesse dia, não caminha para o
escritório, mas para outro edifício, onde vê um cenário por trás do elevador.
Isso o leva a novas desconfianças, a novos questionamentos, inclusive quanto à profissão
da esposa. Isso tudo faz com que a força de vontade de Truman seja cada vez
maior, a fim de se ver livre, a fim de encontrar a verdade. Em busca de Fiji,
de Sylvia. Em busca de seu verdadeiro eu, em busca de sua liberdade.
Por fim, a crítica à religião, ou
melhor, à Deus. O nome do criador do programa é Christof que, em inglês, pode
ser destrinchado em: Christ + of. Traduzindo para o português = Cristo + de, ou
seja, de Cristo, de Deus. Programa de Deus ou programação de Deus. Nesse viés,
o mundo de Deus é um mundo de mentiras e, somente se livrando dele, como Truman
faz no final do filme, é que se consegue atingir a liberdade, a verdade, enfim,
é que se consegue ser um homem de verdade.
Eu, particularmente, discordo de tal
crítica, como um todo, no sentido de que acreditar em Deus dificulte nosso
acesso à liberdade e à verdade, mas concordo que algumas atitudes religiosas
podem de fato atrapalhar o ser humano.
Continuando, numa certa parte do
filme, em uma entrevista, é perguntado a Christof: “Por que acha que Truman
nunca chegou a descobrir a verdadeira natureza do mundo que o rodeia?” E ele
responde: “Nós aceitamos a realidade do mundo com o qual nos defrontamos. É
muito simples”. Nesse momento, aparecem dois vigias assistindo à entrevista e
um deles assente com a cabeça. Veja que os seguranças estão totalmente presos à
televisão, ao programa, ou seja, aceitam a realidade do mundo a qual se
defrontam, como Christof disse, e não fazem nada para mudar. Continuam
prisioneiros da televisão.
E, tal como esses dois vigias,
também as garçonetes, o homem da banheira, as senhoras no sofá de casa, quantos
não são prisioneiros da televisão? E quantos não são prisioneiros de falsos
relacionamentos? Quantos ainda não são prisioneiros de um trabalho do qual não
gostam? De uma cidade na qual se entediam? Mas, mesmo assim, não têm a
disposição necessária para tentar mudar de vida, para serem mais felizes,
enfim, não têm a vontade de serem mais livres, de viverem de verdade, e não
somente sobreviverem enclausurados.
Uma vida verdadeira, uma vida mais
livre envolve muitas dificuldades, muitos sofrimentos. Perceber a ilusão é o
primeiro passo. Depois, aos poucos, vem os outros, igualmente difíceis. Da
mesma forma aconteceu com Truman. Sua dificuldade em lidar com a esposa, com o
amigo, com a mãe (e com o pai). Consequentemente, sua decisão em abandonar a
todos. E seu choro de angústia e revolta ao descobrir o fim do mar, a mentira
face a face. Porém, depois, vêm a libertação.
Nesse momento, ele descobre quem ele
é. “Você é o astro”, diz Christof. “Você era real, por isso todos gostavam de
ver”, ele continua. E assim é o ser humano. O mais interessante, o que as
pessoas mais gostam e mais respeitam é o homem verdadeiro, aquele que não
mente, que não manipula, que não usa máscaras, que não é ator, que não é falso.
E Truman é o trueman, o homem
verdadeiro. O criador do programa continua: “No meu mundo, você não tem nada a
temer”. Mas o que é melhor? Viver uma vida de ilusão, sem medos, ou uma vida
verdadeira, livre, com os temores naturais?
Assim, Truman se livra de sua vida
de mentiras. E todos comemoram: o povo do bar, as senhoras do sofá de casa, o
homem na banheira e os dois vigias. Por fim, o programa acaba. É o fim da
transmissão. Com isso, um dos seguranças diz: “Não tem mais nada para ver”. E
vão mudar de canal. Ou seja, não foi somente Truman que se livrou de sua
prisão. Todos os telespectadores também se libertaram de quase trinta anos de
programa.
Percebe-se, assim, que existe um
mundo mais verdadeiro, um mundo mais livre. Mas é preciso ter luz, é preciso
conhecer, é preciso, enfim, ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.
Para isso, muitas vezes é preciso
trocar de canal. Ou até mesmo desligar a TV. Você está disposto
a isso?
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ExcluirEstava à procura de uma boa crítica sobre esse filme e, finalmente, achei. Adorei sua crítica e concordo em grande parte com ela. Enfim, é um excelente filme reflexivo. Parabéns e abraços!
ResponderExcluirAcho q o final do filme, ou a descoberta da verdade por Truman, era mais uma parte do roteiro proposto por Cristof
ResponderExcluirDuvido um pouco, é só perceber como ele tenta a todo custo não deixar Truman sair da ilha
ExcluirCrítica brilhante sobre o filme mais brilhante que já criaram. Concordo com a parte que fala que não precisamos nos "libertar" de Deus para alcançar o conhecimento pois na verdade precisamos libertar-nos daquilo que homens e mulheres inescrupulosos e ignorantes nos tem incutado na mente, afinal, Deus é o Pai do Conhecimento e Ele criou o Homem com Livre Arbítrio. Pode-se dizer que o deus a qual o filme se refere seja na verdade esse sistema mundial conformista que nos engole e nos molda a partir do nascimento.
ResponderExcluirTalvez quando os seguranças trocam o canal da televisão, quer dizer que mesmo quando sabemos que estamos sendo enganados ( o Show de truman), procuramos outras formas de nos enganar e não aceitar a realidade (trocar de canal).
ResponderExcluirboa.
ExcluirMuito boa a sua reflexão,caberia meio que de "leve" o mito da caverna Platônico ao descobrir a verdade a Luz o personagem se revolta com a sua realidade ao redor.
ResponderExcluirMeus parabéns pelo excelente texto. Estou fazendo um trabalho de Jornalismo em que temos que analisar o filme "The Truman Show", e sua publicação me ajudará e muito para nortear uma das linhas de pensamento da análise.
ResponderExcluirSENSACIONAL A CRITICA! PARABENS!
ResponderExcluirgostei
ResponderExcluirÓtima crítica, parabéns pelo texto. Mas acredito que no final do filme não passou a mensagem que os telespectadores também se tornaram "livres". Após o fim da transmissão, o seguranças simplesmente trocam de canal, ou seja, irão se prender a outro programa. Talvez isso signifique que nem todos estão conscientes da verdade, pode até expor-las, mas poucos aceitam a libertação.
ResponderExcluirExcelente crítica. Simples, mas concisa e diria, até, didática. Bastante comedida, alcançou vários pontos do filme. Muito inteligente a parte sobre o Cristof/religião. Um filme que não canso de assistir. Um filme para todas as idades e todas as classes. Infelizmente, nem todos conseguem capturar todas as mensagens que ele trás.
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